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Tributo à Catarina

Era noite de terça-feira. O dia havia sido terrível.  De repente, ouvi música. Era a música do velório.  Fiquei furiosa! Porque o Vitor eatava ouvindo? Pra que  fazer isso comigo? Olhei para ele cheia de indignação ao mesmo tempo em que percebi seu olhar assustado. Foi então que ouvimos as vozes dos nossos amigos. O pessoal está aí na frente! Ele pulou do sofá. Pulei do colchão o de estava. Corremos para o portão. Sim, eram eles. Repeitando a distância segura de um metro entre eles. Com instrumentos no meio da rua, cantando para acalentar nossos corações. Desabamos todos. Meus pais, meu  filho, meu marido e eu. Choramos e cantamos junto com eles. Eles oraram por nós. Aplaudimos a vida da Catarina, fomos aplaudidos. Sentimos a presença de Deus como nunca na vida. Contemplamos o amor de Deus por nós ali, onde o sobrenatural era visível e a benignidade de Deus quase palpável de tão real. Deus colocou o amor dele por nós no coração de cada um e em meio à nossa tristeza, vivenciamos o m

Os amigos

Dizem que só conhecemos os amigos verdadeiros no momento da necessidade.  Decobrimos que somos extremamente afortunados! No meio de toda essa dor, um fio de esperança se renova em nós através das inúmeras demonstrações de carinho, cindas dos lugares mais diversos, até mesmo de onde jamais imaginaríamos. Ao longo dos dias recebemos ligações,  mensagens em todas as redes sociais, flores com cartão de Páscoa...pessoas perguntando se tínhamos conseguido comer, como tínhamos passado a noite. Recebi vídeos dos meus alunos. O Vitor recebeu ligações de clientes. Descobrimos várias correntes de oração por nós. Pessoas de mesma fé ou fé diferentes entre si se unindo para clamar por nós. Nos emocionamos. Nos sentimos fortalecidos. Despedaçados, mas carregados em amor.

O sonho

Na terça-feira eu deitei no peito do meu marido e adormeci por 5 minutos. Sonhei pela primeira vez desde domingo. Sonhei com a Catarina. No meu sonho, ela estava no colo de alguém que eu só vi os braços. Ela olhou pra  mim. Estava linda, ainda mais! Os cabelos pretos tão brilhantes! Usava um vestido listrado  de azul marinho e branco.  Conforme eu ia olhando, ela ia crescendo no colo e seu olhar se enchia de amor. Acordei revoltada. Senti muita raiva. Solucei de dor, raiva e despero. Por que até mesmo no meu sonho minha filha não estava no meu colo? Meu peito doía e vazava, implorando para amamentar, mas meu colo estava vazio. O Vitor  acordou com meu desespero.  Contei o sonho. Ele chorou. Disse que tinha dormido pedindo a Deus que lhe mostrasse onde a Catarina estava e com quem, mas Deus mostrou para mim. Eu chorei muito, senti raiva de Deus. Quis bater em alguém ou alguma coisa. Eu queria a minha filha no meu colo! Minha mãe me abraçou e chorou comigo. Me trouxe um chá. Enquan

O desespero

O primeiro dia foi o mais desesperador. Eu tive vontade de morrer pela Catarina, de viver pelo Samuel, de esquecer, de lembrar. Quis dormir para não pensar, ficar acordada para não esquecer do rosto dela. Tive raiva. Briguei com Deus. Questionei. Me arrependi. Chorei incontáveis vezes. O sentimento estava um nível acima da dor. As pessoas tentavam falar comigo, queriam ajudar. Eu queria ficar em silêncio, aprisionada em minha dor. Queria fechar meu casulo e ficar. Descobri que o Vitor estava chorando sozinho, escondido. Doeu. Eu queria ser capaz de pegá-lo no colo e dizer que tudo iria ficar bem, mas seria mentira. Eu dizia a todos: vai ficar tudo bem. Mas o Vitor conhecia a minha dor. Não dava pra dizer isso pra ele. Pela graça de Deus o meu cunhado levou o Samuel para brincar com o Arthur. Era uma preocupação a menos. Ele já havia chorado muito no velório. Tinha dormido e acordado chorando. Ele só tem 5 anos! Quanta dor uma criança consegue suportar? Não almocei nem jantei. C

Em casa

Voltar para casa nunca foi tão difícil. Havia lembranças em todos os lugares. O Vitor guardou tudo no quarto e trancou. Eu entrei choque, depois em colapso. Disse que queria me mudar, implorei ora ter você de volta. Não consegui  jantar. Tomei remédio para dormir. Depois de um tempo, adormeci chorando no colo do Vitor. Ao meu lado da cama onde estava o bercinho, nada. Só o vazio. Acordei de madrugada com um choro desesperado. O Vitor chorava agarrando o travesseiro. Antes desse momento, eu tinha visto meu marido chorar pouquíssimas  vezes. Ao contrário de mim,  que sou uma máquina de lágrimas e choro à toa, ele só chora quando a dor é insuportável. Vê-lo chorar me deixa desesperada. Ele sabe disso e se esconde pra não me fazer sofrer. No dia seguinte, escutei um choro abafado no banheiro. Ele estava no chão, com a toalha no rosto abafando o choro. Me ajoelhei e o abracei. Desculpa, amor, eu não estou aguentando. Você também tem o direito de chorar, Vitor. Não se enconda mais. Eu t

A despedida

Eu não esperava muitas pessoas no velório.  Em tempos de isolamento, nem todos se arriscam a sair. Não imaginei que o fariam por uma bebê que nem sequer conheceram. Mas quando eu cheguei, a capela já estava cheia. E as pessoas foram chegando. Desesperadas, chorando, sentindo a nossa dor. Não havia curiosos. Havia pessoas que nos amavam e que amavam a Catarina mesmo sem conhecê-la. Muitas pessoas! Familiares, amigos, amigos do trabalho...as pessoas vinham de todos os lados! Eu vi meus amigos músicos da igreja prepararem os instrumentos para uma última homenagem. Vi o Everton escolher uma flauta, meu instrumento preferido, dentro de todos os que ele toca. Não tivemos direito a velório longo, devido ao vírus. O mesmo vírus maldito que impediu as pessoas de conhecerem a minha filha, tentava atrapalhar a despedida. O corpinho demorou a chegar. Quando o carro chegou, um funcionário da funerária trouxe o caixãozinho branco no colo, aos prantos.  Descobrimos depois que ele já tinha passad

Perdi você.

Você chegou num domingo. Era um dia quente e de sol forte. Início da pandemia no Brasil. A cesárea estava agendada para a quinta-feira seguinte. Você não quis esperar. Chegou antes  com pressa do nosso colo e de todo o amor que já transbordava de nós. Era perfeita, linda. Uma bonequinha morena e cabeluda. Chorinho de boneca. Carinha de brava, mas um docinho. Conheceu seu irmão, que se apaixonou, assim como a mamãe e o papai. Avós, tios e primos, todos apaixonados. Poucos  puderam  conhecê-la. Nestes tempos as visitas estavam restritas. Os dias correram como sonho. Seu irmão cantava a musiquinha  "Catarina, Catarina, da minha horta você é minha tangerina! Catarina, Catarina, da minha vida você é minha bailarina!". Você partiu num domingo. Um domingo quente. Seus avós maternos tinham vindo conhecê-la. Preparávamos almoço.  Você começou a chorar cansada. Atribuí às colicas que te atormentaram durante a noite. Mas o choro foi diminuindo e sua cor foi sumindo. Corremos para